Proponho um exercício: já reparou que há um conjunto de procedimentos ou tarefas (mais ou menos micro), que ao longo de um dia de trabalho, consome uma considerável fatia de tempo e cujo valor acrescentado para a organização, o que nós aportamos em termos de dispêndio cognitivo ou intelectual, é reduzido ou mesmo inexistente? Provavelmente a resposta a esta pergunta vai surpreender e talvez, até, inquietar o leitor.
O desafio maior e extraordinário da automação passa por isso mesmo em agarrar em todas essas tarefas e processos repetitivos, massivos e sem valor acrescentado, transformando-os em automatismos executados por agentes de software, deixando esse precioso tempo às pessoas, libertando-as para tarefas mais desafiantes e intelectualmente estimulantes. O já tão disseminado conceito da Workforce Digital, não corresponde à ideia de substituir os postos de trabalho humanos por robots, mas sim à criação de uma força de trabalho conjunta entre as pessoas e as máquinas, que tornará as organizações mais ágeis, eficientes e com maior capacidade de foco numa das coisas mais importantes da sua atividade, o negócio.
Caminhando para uma automação cada vez mais ágil e inteligente, impõe-se elevar o nível no sentido de uma parceria entre a Workforce Digital e o colaborador humano. Surge agora uma nova vaga de evolução neste domínio. Segue-se Intelligent Automation e Citizen Development. Cada colaborador se perfila como implementador desta nova Workforce Digital. O poder passa a estar do lado de cada um de nós. Com a simplificação das ferramentas de automação de tarefas, em termos de exigência de conhecimento técnico, deixa de ser imperativa a intervenção de um developer técnico. Cada colaborador, da área que for, pode agora assumir o papel de analista e implementador das suas próprias automatizações.
O Citizen Development consiste num programa integrado, impulsionado e gerido preferencialmente pelas áreas de processos ou organizacional, de braço dado com o IT, mas envolvendo todas as outras áreas, suportado por uma forte e eficiente campanha de comunicação e marketing internos. Este modelo organizativo reflete que o objetivo é macro e de elevado impacto transversal, mas muito micro na incidência e ponto de partida original para o sucesso final da iniciativa. É crucial para o sucesso deste tipo de programa a adesão individual de cada colaborador da organização. Para tal, o estímulo é muito simples e de fácil apreensão – cada colaborador deve identificar “os seus 5, 10, 15 minutos diários de trabalho menos produtivos”, que corresponde a tarefas repetitivas, massivas e sem qualquer valor acrescentado para si ou para a organização, numa lógica de gamification e incentivos que podem ser integrados no programa.
Atualmente, as grandes iniciativas de melhoria da eficiência operacional e de maior retorno direto de poupança das organizações já se encontram endereçadas. Potenciar os ganhos individuais, ainda que reduzidos se analisados de forma isolada, mas incrivelmente elevados quando analisados perante a dimensão da organização, permite facilmente obter um Business Case extremamente positivo.
A ideia essencial passa por permitir que todos os colaboradores otimizem o seu tempo útil de trabalho, reorientando o seu foco para tarefas mais estimulantes e de valor acrescentado, contribuindo assim para a transformação da sua organização, tornando-a mais ágil, eficiente, competitiva e focada no core do seu negócio. Seguindo a lógica do Citizen development, o potencial de transformação digital das organizações aumenta exponencialmente, pois o poder passa a estar nas mãos de cada colaborador.
Fernando Alves Lopes, Head of Robotics Process Automation da everis Portugal, an NTT DATA Company
[Texto originalmente publicado na revista Human Resources, no dia 12 de março de 2021]