Kamala Harris tornou-se a primeira mulher, a primeira mulher negra e de origem indiana e a primeira aluna de uma “universidade negra” a ser eleita para um dos dois mais altos cargos dos Estados Unidos. “Harris vai ser um grande exemplo a seguir para mulheres e raparigas em todo o mundo. Vai ter um impacto sísmico na trajetória da História, assim como nas aspirações de milhões de pessoas”, foram as palavras da senadora Kirsten Gillibrand. E o exemplo é fundamental para guiar e mostrar que é possível.
A igualdade de género é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável traçados pelas Nações Unidas para transformar o mundo até 2030 e congrega várias dimensões, desde logo a inclusão digital e a presença das mulheres nas profissões tecnológicas.
Embora saibamos já que, ao ritmo atual, esse objetivo levará 60 anos a alcançar, reconhece-se hoje, com base científica, que o aumento da igualdade de género traz benefícios para a sociedade e expande a pool de talentos. Não podemos desperdiçar metade da população, até porque, de acordo com um estudo do Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE), uma maior igualdade de género conduziria a um aumento de 6,1% do PIB per capita da União Europeia, até 2050.
Num momento em que as diferenças entre género se poderiam começar a esbater graças à digitalização cada vez mais acelerada da sociedade, eis que a pandemia tem o efeito contrário e volta a colocar as mulheres atrás no que diz respeito às competências digitais. Mesmo em teletrabalho, as mulheres não conseguiram beneficiar do desenvolvimento tecnológico porque tiveram uma sobrecarga de trabalho adicional no desempenho de tarefas familiares essenciais.
Perante esta transição digital acelerada a que assistimos devido aos efeitos provocados pela pandemia, temos hoje uma oportunidade única para escolher entre incluir a igualdade de género em todos os programas de transição digital, e assim melhorar este importante motor de inclusão social, acelerando a inclusão de género, ou deixar que se gere uma nova crise dentro da crise. Nesta segunda hipótese, estaríamos a assistir ao agravamento das desigualdades, com um número mais elevado de mulheres excluídas do digital, por falta de competências digitais e de formação na área das tecnologias, e uma maior taxa de desemprego feminino pelo não acesso às profissões tecnológicas mais resilientes.
Não obstante a presença reduzida de mulheres no setor das tecnologias, quer na academia, quer nas empresas, ser um problema global e europeu, Portugal apresenta índices mais elevados do que os restantes países da União Europeia no que diz respeito à exclusão digital, ou seja, 36% das mulheres em Portugal não faz uma utilização diária da Internet e apenas 15% do emprego tecnológico é feminino, segundo o Índice de Igualdade de Género do EIGE.
Sabemos que estas situações se invertem com a desconstrução dos estereótipos de género cujo processo é lento, mas também com a implementação de políticas públicas que sejam inclusivas, como prova o desempenho do nosso País no exercício de cargos públicos, com valores de 37% acima da média europeia, que se situa nos 32%.
A questão de género é transversal e deve, por isso, estar presente em todas as políticas públicas, sendo aliás uma recomendação no Plano de Recuperação e Resiliência na sua importante dimensão da transição digital e fazendo parte das indicações da Comissão Europeia para os diversos Estados-membros.
Em Portugal, o Governo já assumiu o compromisso, referido pela Ministra de Estado e da Presidência Mariana Vieira da Silva, de que “a presidência de Portugal da União Europeia se irá focar no impacto da covid-19 na igualdade de género, nas condições de trabalho, nas condições do mercado de trabalho e na dinâmica entre o trabalho e a vida familiar.” Também o Plano de Acão para a Transição Digital, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros, refere a importância do aumento das competências digitais dos cidadãos, incluindo ações específicas para a igualdade de género.
Existem hoje muitas iniciativas de inclusão digital em curso, algumas pontuais outras mais abrangentes, mas continua a ser necessário tornar transversal o desígnio da igualdade de género para alcançar resultados reais. É esse equilíbrio, de participação entre homens e mulheres, que programas como o INCoDe2030, o EUSOUDIGITAL ou o Up Skill têm procurado garantir, de forma a assegurar que ninguém fica para trás no acesso às tecnologias digitais.
Colocar a igualdade e a inclusão de género na agenda digital é criar as condições para que todos possam acompanhar esta transformação à mesma velocidade e com as mesmas oportunidades porque a tecnologia já demonstrou ser um acelerador que não podemos desperdiçar.